O sonho é a melhor parte da realidade.
Clara grita meu irmão ao subir as escadas até meu quarto. Antes dele entrar, coloco na minha bolsa a antiga agenda de anotações do nosso pai. Trevor abre a porta e senta ao meu lado, seguro a bolsa sobre as pernas para que ele não veja o volume dela. Com lágrimas nos olhos eu ainda não tinha superado os últimos acontecimentos e Trevor coloca os braços sobre meus ombros e me abraça. Ficamos assim por alguns minutos. Ele tem o mesmo cheiro da nossa infância e ficar por mais tempo nesta cidade ia acabar comigo. Eu o afasto com as duas mãos e levanto ainda mantendo a bolsa pressa ao meu corpo.
- Preciso ir Trevor.
Ele levanta e concorda com a cabeça. Por alguns segundos ele me examina com seus grandes olhos negros e sinto meu rosto ficar quente. Ele sabe que eu estou com a agenda.- penso sentindo meu coração acelerar. Mas então vejo que Trevor estava olhando minhas cicatrizes e os hematomas ainda evidentes.
- Trevor – eu coloco a mão sobre o braço dele e aperto levemente – vou ficar bem - eu estava sendo sincera. Eu realmente achava que saindo da cidade e morando longe de tudo, eu ia ficar melhor.
- Eu só acho que eu poderia … - ele tirou minha mão e pegou minhas malas na cama e foi em direção a porta.
- Eu sei, cuidar de mim, mas você sabe que eu vou ficar bem.
Ele não disse mais nada. Seguiu comigo até o carro e colocou as malas no banco de trás. Prometi a ele que ia voltar nas minhas férias de verão, mas ele não respondeu. Trevor sabia que eu não tinha a intenção de voltar.
Pedi para ele entrar e o vi na porta da nossa antiga casa. A lareira estava acessa e eu via a fumaça saindo pela chaminé. Quando fechei os olhos senti o cheiro da neve e a sensação boa do gelo no rosto. Nos despedidos com uma simples acesso com a cabeça e eu estava pronto para uma nova vida.
No banco do caroneiro tinha uma chave e um agasalho azul escuro que era muito grande para mim. Mas eu não ia a lugar nenhum sem ele. Era como se ele ainda estivesse rindo ao meu lado, me conduzindo nas ruas. As vezes eu ainda escutava sua risada.
As ruas estavam vazias e o inicio do inverno parecia ter chegado mais forte no sul do estado este ano. Ainda era Junho, mas o termômetro marcava -1ºC. Liguei o aquecedor do carro e parei no acostamento. Eu estava a algumas quadras da casa de Samuel. As luzes estavam apagadas e a imobiliária já tinha colocado uma enorme placa de Vende-se no jardim.
Vesti o casado dele e com a chave nas mãos fui até a varanda. O balanço estava lá e ainda tinha escondido atrás do grande vaso da entrada e nossa manta. Eu não ia entrar sabia que não tinha mais nada lá dentro e deixei a chave em baixo do tapete.
Por alguns minutos eu ainda olhava o balanço que com o vento parecia se mover lentamente. Um arrepio passou pelo corpo e eu sabia que estava sendo observada. Alguma coisa ainda estava lá fora, mas já não tinha mais medo.
Isso é o que acontece com as pessoas que não tem mais nada a perder. E agora depois de tudo eu não tinha. A única coisa na minha mente enquanto ia em direção ao interior do estado era descobrir a verdade. Sobre mim e sobre a morte de Samuel e o desaparecimento do meu pai. Mesmo com uma diferença de mais de dez anos eu sabia, foi a mesma pessoa.
Nossa, você escreve muito bem =^.^=
ResponderExcluirBjs
Mel